1 Caracterização do material
O resíduo de construção e demolição (resíduo de C&D) ou
simplesmente entulho, possui características bastante peculiares. Por ser
produzido num setor onde há uma gama muito grande de diferentes técnicas e
metodologias de produção e cujo controle da qualidade do processo produtivo
é recente, características como composição e quantidade produzida dependem
diretamente do estágio de desenvolvimento da indústria de construção local
(qualidade da mão de obra, técnicas construtivas empregadas, adoção de
programas de qualidade, etc.).
Dessa forma, a caracterização média deste resíduo está condicionada
a parâmetros específicos da região geradora do resíduo analisado.
1.1 Composição química
O entulho é, talvez, o mais heterogêneo dentre os resíduos
industriais. Ele é constituído de restos de praticamente todos os materiais
de construção (argamassa, areia, cerâmicas, concretos, madeira, metais,
papéis, plásticos, pedras, tijolos, tintas, etc.) e sua composição química
está vinculada à composição de cada um de seus constituintes.
No entanto, a maior fração de sua massa é formada por material não
mineral (madeira, papel, plásticos, metais e matéria orgânica). Dois
exemplos da análise qualitativa da sua fração mineral, para locais
distintos, são apresentados a seguir:
|
Composição média da fração
mineral do entulho (%)
|
MATERIAL
|
PINTO (1987) 1
|
ZORDAN e PAULON (1997) 2
|
Argamassa
|
64,4
|
37,6
|
Concreto
|
4,8
|
21,2
|
Material Cerâmico
|
29,4
|
23,4
|
Pedras
|
1,4
|
17,8
|
1 Local: cidade de São Carlos, SP,
Brasil.
2 Local: cidade de Ribeirão Preto,
SP, Brasil.
|
1.2 Classificação ambiental
Embora o entulho apresente em sua composição vários materiais que,
isoladamente, são reconhecidos pela NBR 10.004/ set. 87: Resíduos Sólidos –
Classificação, como resíduos inertes (rochas, tijolos, vidros, alguns
plásticos, etc.), não está disponível até o momento, análises sobre a
solubilidade do resíduo como um todo, de forma a garantir que não haja
concentrações superiores às especificadas na norma referida acima, o que o
enquadraria como "resíduo classe II – não inerte". Vale ainda
lembrar, que a heterogeneidade do entulho e a dependência direta de suas características
com a obra que lhe deu origem pode mudá-lo de faixa de classificação, ou
seja, uma obra pode fornecer um entulho inerte e outra pode apresentar
elementos que o tornem não-inerte ou até mesmo perigoso - como por exemplo,
a presença de amianto que, no ar é altamente cancerígeno.
1.3 Apresentação do material
O entulho se apresenta na forma sólida, com características físicas
variáveis, que dependem do seu processo gerador, podendo apresentar-se
tanto em dimensões e geometrias já conhecidas dos materiais de construção
(como a da areia e a da brita), como em formatos e dimensões irregulares:
pedaços de madeira, argamassas, concretos, plástico, metais, etc.
2.Produção
2.1 Origem
Praticamente todas as atividades desenvolvidas no setor da
construção civil são geradoras de entulho. No processo construtivo, o alto
índice de perdas do setor é a principal causa do entulho gerado. Embora nem
toda perda se transforme efetivamente em resíduo - uma parte fica na
própria obra - os índices médios de perdas (em %) apresentados abaixo
fornecem uma noção clara do quanto se desperdiça em materiais de construção
- a quantidade de entulho gerado corresponde, em média, a 50% do material
desperdiçado.
MATERIAIS
|
AGOPYAN et al. 1
|
PINTO 2
|
SOILBELMAN 2
|
SKOYLES 2
|
Areia
|
76
|
39
|
46
|
12
|
Cimento
|
95
|
33
|
84
|
12
|
Pedra
|
75
|
|
|
|
Cal
|
97
|
|
|
|
Concreto
|
9
|
1
|
13
|
6
|
Aço
|
10
|
26
|
19
|
4
|
Blocos e Tijolos
|
17
|
27
|
13
|
13
|
Argamassa
|
18
|
91
|
87
|
12
|
1 AGOPYAN et al
(1998)
2 PINTO (1995)
|
Já nas obras de reformas a falta de uma cultura de reutilização e
reciclagem são as principais causas do entulho gerado pelas demolições do
processo.
Nas obras de demolição propriamente ditas, a quantidade de resíduo
gerado não depende dos processos empregados ou da qualidade do setor, pois
se trata do produto do processo, e essa origem, sempre existirá.
2.2 Localização
Grande parte dos produtores de entulho, principalmente o
"construtor formiga", continuam jogando esse material ao longo de
estradas e avenidas e em margens de rios e córregos. O surgimento dos
caçambeiros contribuiu para que esse quadro fosse amenizado com a criação
de locais pré-determinados – nem sempre apropriados – para o depósito do
resíduo.
Algumas prefeituras (Belo Horizonte, Ribeirão Preto, etc.) estão
implantando locais apropriados para receber o resíduo. São as "Usinas
de Reciclagem de Entulho", constituídas basicamente por um espaço para
deposição do resíduo, uma linha de separação (onde a fração não mineral é
separada), um britador, que processa o resíduo na granulometria desejada e
um local de armazenamento, onde o entulho já processado aguarda para ser
utilizado.
2.3 Estatísticas
Estimativas da quantidade do entulho produzido no país e no exterior
são apresentadas abaixo.
LOCAL GERADOR
|
GERAÇÃO ESTIMADA (t/mês)
|
|
São Paulo
|
372.000
|
|
Rio de Janeiro
|
27.000
|
|
Brasília
|
85.000
|
|
Belo Horizonte
|
102.000
|
Brasil 1
|
Porto Alegre
|
58.000
|
|
Salvador
|
44.000
|
|
Recife
|
18.000
|
|
Curitiba
|
74.000
|
|
Fortaleza
|
50.000
|
|
Florianópolis
|
33.000
|
Europa 2
|
|
16.000 a 25.000
|
Reino Unido 3
|
|
6.000
|
Japão 3
|
|
7.000
|
1 PINTO (1987)
2 PERA (1996)
3 CIB (1998)
|
3 Tecnologias para reciclagem
Reciclar o entulho - independente do uso que a ele for dado -
representa vantagens econômicas, sociais e ambientais, tais como:
- economia na aquisição de
matéria-prima, devido a substituição de materiais convencionais, pelo
entulho;
- diminuição da poluição
gerada pelo entulho e de suas conseqüências negativas como enchentes e
assoreamento de rios e córregos, e
- preservação das reservas
naturais de matéria-prima.
A seguir são citadas algumas possibilidades de reciclagem para este
resíduo e as vantagens específicas de cada uma.
3.1 Utilização em pavimentação.
A forma mais simples de reciclagem do entulho é a sua utilizado em
pavimentação (base, sub-base ou revestimento primário) na forma de brita
corrida ou ainda em misturas do resíduo com solo.
3.1.1 Vantagens
- é forma de reciclagem
que exige menor utilização de tecnologia o que implica menor custo do
processo;
- permite a utilização de
todos os componentes minerais do entulho (tijolos, argamassas,
materiais cerâmicos, areia, pedras, etc.), sem a necessidade de
separação de nenhum deles;
- economia de energia no processo
de moagem do entulho (em relação à sua utilização em argamassas), uma
vez que, usando-o no concreto, parte do material permanece em
granulometrias graúdas;
- possibilidade de
utilização de uma maior parcela do entulho produzido, como o
proveniente de demolições e de pequenas obras que não suportam o
investimento em equipamentos de moagem/ trituração;
- maior eficiência do
resíduo quando adicionado aos solos saprolíticos em relação a mesma
adição feita com brita. Enquanto a adição de 20% de entulho reciclado
ao solo saprolítico gera um aumento de 100% do CBR, nas adições de
brita natural o aumento do CBR só é perceptível com dosagens a partir
de 40%;
3.1.2 Limitações
Não disponível.
3.1.3 Processo de produção
O entulho, que pode ser usado sozinho ou misturado ao solo, deve ser
processado por equipamentos de britagem/ trituração até alcançar a
granulometria desejada, e pode apresentar contaminação prévia por solo –
desde que em proporção não superior a 50% em peso. O solo empregado na
mistura com o entulho reciclado deve ser classificado de acordo com a
Metodologia MCT, especificada pela Norma P01 da Prefeitura Municipal de São
Paulo.
Pesquisas (BODI, 1997) avaliam os resultados de ensaios de dosagens
da mistura entulho-solo e as variações da capacidade de suporte, da massa
específica aparente máxima seca, da umidade ótima e da expansão.
O resíduo ou a mistura podem então ser utilizados como reforço de
subleito, sub-base ou base de pavimentação, considerando-se as seguintes
etapas: abertura e preparação da caixa (ou regularização mecânica da rua,
para o uso como revestimento primário) corte e/ou escarificação e
destorroamento do solo local (para misturas), umidecimento ou secagem da
camada, homogeneização e compactação.
3.1.4 Grau de desenvolvimento
A eficiência desta prática já comprovada cientificamente, vem sendo
confirmada pela utilização, na prática, por diversas administrações
municipais como São Paulo, Belo Horizonte e Ribeirão Preto
3.1.5 Maiores informações
KELLY, K., WILLIAMS, P. Spinning waste into
gold in construction. ENR -Engineering News - Record, v. 234, n. 16,
p. E.32-E.34, E.37, 1995.
BODI, J. Experiência Brasileira com Entulho Reciclado na
Pavimentação. In: Reciclagem na Construção Civil, Alternativa
Econômica para Proteção Ambiental, 1997, São Paulo. Anais... São Paulo: PCC
- USP, Departamento de Engenharia de Construção Civil, 1997. 76 p. p.
56-59.
3.2 Utilização como Agregado para o Concreto
O entulho processado pelas usinas de reciclagem pode ser utilizado
como agregado para concreto não estrutural, a partir da substituição dos
agregados convencionais (areia e brita).
3.2.1 Vantagens
- utilização de todos os
componentes minerais do entulho (tijolos, argamassas, materiais
cerâmicos, areia, pedras, etc.), sem a necessidade de separação de nenhum
deles;
- economia de energia no
processo de moagem do entulho (em relação à sua utilização em
argamassas), uma vez que, usando-o no concreto, parte do material
permanece em granulometrias graúdas;
- possibilidade de
utilização de uma maior parcela do entulho produzido, como o
proveniente de demolições e de pequenas obras que não suportam o
investimento em equipamentos de moagem/ trituração;
- possibilidade de
melhorias no desempenho do concreto em relação aos agregados
convencionais, quando se utiliza baixo consumo de cimento;
3.2.2 Limitações
A presença de faces polidas em materiais cerâmicos (pisos, azulejos,
etc.) interferem negativamente na resistência à compressão do concreto
produzido.
3.2.3 Processo de produção
O entulho processado pelas Usinas de Reciclagem (onde sua fração
mineral é britada em britadores de impacto) é utilizado como agregado no
concreto, em substituição simultânea à areia e à brita convencionalmente
utilizadas. A mistura é a tradicional, com cimento e água, esta em
quantidade bastante superior devido à grande absorção do entulho.
Equipamentos para britagem:
Maqbrit Comércio e Ind. de Máquinas Ltda.
Tel. (011) 424-4330 / 424-3440
Usina de Reciclagem de Belo Horizonte
Tel. (031) 378-2180
Usina de Reciclagem de Ribeirão Preto
Tel. (016) 638-0880
3.2.4 Grau de desenvolvimento
Embora pesquisas tenham demonstrado eficácia do processo, vários
fatores como os relacionados à durabilidade do concreto produzido ainda
precisam ser analisados. As prefeituras de São Paulo e a de Ribeirão Preto
já utilizam blocos de concreto feitos com entulho reciclado.
3.2.5 Maiores informações
HANSEN, T.C. RILEM Report No 6, E&FN Spon,
1992.
RILEM TC 121 - DRG. Specification for
concrete with recicled aggregates. Materials and Structures, v. 27, p. 557-559,
1994.
ZORDAN, S. E., PAULON, V. A. A Utilização do Entulho como
Agregado na Confecção do Concreto. Campinas: Departamento de Saneamento
e Meio Ambiente da Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de
Campinas. Dissertação (Mestrado), 1997.
CONCRETE. Concrete re-cycled. Crushed concrete as aggregate. London, v. 27, n. 3, p. 9-13, may/ jun.
1993.
CONSTRUÇÃO Para não virar pó. São Paulo: Pini, n. 2348, p. 10, fev.
1993.
3.3 Utilização como agregado para a confecção de argamassas
Após ser processado por equipamentos denominados
"argamasseiras", que moem o entulho, na própria obra, em
granulometrias semelhantes as da areia, ele pode ser utilizado como
agregado para argamassas de assentamento e revestimento.
3.3.1 Vantagens
- utilizado do resíduo no local
gerador, o que elimina custos com transporte;
- efeito pozolânico
apresentado pelo entulho moído;
- redução no consumo do
cimento e da cal, e
- ganho na resistência a
compressão das argamassas.
3.3.2 Limitações
As argamassas de revestimento obtidas apresentam problemas de
fissuração, possivelmente pela excessiva quantidade de finos presente no
entulho moído pelas argamasseiras.
3.3.3 Processo de produção
A partir da mistura de cimento, areia e água, a fração mineral do
entulho é adicionada a uma caçamba de piso horizontal, onde dois rolos
moedores girando em torno de um eixo central vertical, proporciona a moagem
e homogeneização da mistura que sai do equipamento pronta para ser usada.
Informações sobre o equipamento de moagem:
ANVI Comércio e Indústria Ltda.
Tel. (011) 289-7109 289-4260.
3.3.4 Grau de desenvolvimento
Esta reciclagem vem sendo utilizada, com freqüência, por algumas
construtoras do país e pesquisas estão em andamento para tentar solucionar
as limitações desta técnica.
3.3.5 Maiores informações
LEVY, S. M., HELENE, P. R. L. Reciclagem do entulho de construção
civil, para utilização como agregado de argamassas e concretos. São
Paulo: Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Dissertação de
mestrado. 1997 146 p.
HAMASSAKI, L. T, SBRIGHI NETO, C., FLORINDO, M. Uso do entulho
como agregado para argamassas de alvenaria. In: Seminário sobre
reciclagem e reutilização de resíduos como materiais de construção, 1996,
São Paulo. Anais... São Paulo: PCC - USP, Departamento de Engenharia de
Construção Civil, 1996. 161 p. p.
109-117.
WILD, S. et al. The Potential of Fired
Brick Clay as a partial Cement Replacement material. In: Concrete in the
Service of Man Kind – International Conference for Environment Enhancement
and Protection, Dundee – Escócia, junho, 1996. Proceedings. Ravindra &
Thomas Grã Bretanha – 1996 p.685-696.
3.4 Outros usos
- Utilização de concreto
reciclado como agregado;
- Cascalhamento de
estradas;
- Preenchimento de vazios
em construções;
- Preenchimento de valas
de instalações;
- Reforço de aterros
(taludes).
4 Comentários gerais
O processo de implantação de programas de qualidade pelo qual passa
a indústria da construção, certamente contribuirá para a redução do volume
de resíduos gerados por esse setor. No entanto, a quantidade de entulho
produzida não diminuirá de uma hora para outra.
Além disso, por mais eficaz que sejam as mudanças introduzidas nos
processos construtivos, com o objetivo de reduzir os custos e a quantidade
de resíduos gerados, sempre haverá um montante inevitavelmente produzido,
que somado aos resíduos de demolição, ainda representará um volume
expressivo.
Dessa forma, o estudo de soluções práticas que apontem para a
reutilização do entulho na própria construção civil, contribui para
amenizar o problema urbano dos depósitos clandestinos deste material -
proporcionando melhorias do ponto de vista ambiental - e introduz no
mercado um novo material com grande potencialidade de uso.
5 Bibliografia
AGOPYAN, V. et al. Alternativas para a redução do desperdício de
materiais nos canteiros de obras. São Paulo, 1998 (Relatório final: vol. 1
ao 5).
BODI, J. Experiência Brasileira com Entulho Reciclado na
Pavimentação. In: Reciclagem na Construção Civil, Alternativa
Econômica para Proteção Ambiental, 1997, São Paulo. Anais... São Paulo: PCC
- USP, Departamento de Engenharia de Construção Civil, 1997. 76 p. p. 56-59.
CONCRETE. Concrete re-cycled. Crushed
concrete as aggregate. London, v. 27, n. 3, p. 9-13, may/ jun. 1993.
CONSTRUÇÃO Para não virar pó. São Paulo: Pini, n. 2348, p. 10, fev.
1993.
HAMASSAKI, L. T, SBRIGHI NETO, C., FLORINDO, M. Uso do entulho
como agregado para argamassas de alvenaria. In: Seminário sobre
reciclagem e reutilização de resíduos como materiais de construção, 1996,
São Paulo. Anais... São Paulo: PCC - USP, Departamento de Engenharia de
Construção Civil, 1996. 161 p. p.
109-117.
HANSEN, T.C. RILEM Report No
6, E&FN Spon, 1992.
LEVY, S. M., HELENE, P. R. L. Reciclagem do entulho de construção
civil, para utilização como agregado de argamassas e concretos. São
Paulo: Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Dissertação de
mestrado. 1997 146 p.
PINTO, T. P. Perda de materiais em processos construtivos
tradicionais. São Carlos: Departamento de Engenharia Civil da Universidade
Federal de São Carlos (Texto datilografado), 1989. 33 p.
RILEM TC 121 - DRG. Specification for
concrete with recicled aggregates. Materials and Structures, v. 27, p.
557-559, 1994.
SOIBELMAN, L. As perdas de materiais na construção de edificações:
sua incidência e seu controle. Porto Alegre: Escola de Engenharia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Dissertação (Mestrado), 1993. 127 p.
WILD, S. et al. The Potential of Fired
Brick Clay as a partial Cement Replacement material. In: Concrete in the
Service of Man Kind – International Conference for Environment Enhancement
and Protection, Dundee – Escócia, junho, 1996. Proceedings. Ravindra &
Thomas Grã Bretanha – 1996 p.685-696.
ZORDAN, S. E. A Utilização do Entulho como Agregado na Confecção
do Concreto. Campinas: Departamento de Saneamento e Meio Ambiente da
Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas.
Dissertação (Mestrado), 1997.
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