quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Entulho da Indústria da Construção Civil

Sérgio Eduardo Zordan
Eng. Civil, M. Eng. (FEC – Unicamp), Doutorando Eng. (PCC/ USP).
Membro do Projeto Reciclagem
Depto de Engria de Construção Civil - Escola Politécnica da USP.
sergio.zordan@poli.usp.br

1 Caracterização do material
O resíduo de construção e demolição (resíduo de C&D) ou simplesmente entulho, possui características bastante peculiares. Por ser produzido num setor onde há uma gama muito grande de diferentes técnicas e metodologias de produção e cujo controle da qualidade do processo produtivo é recente, características como composição e quantidade produzida dependem diretamente do estágio de desenvolvimento da indústria de construção local (qualidade da mão de obra, técnicas construtivas empregadas, adoção de programas de qualidade, etc.).
Dessa forma, a caracterização média deste resíduo está condicionada a parâmetros específicos da região geradora do resíduo analisado.

1.1 Composição química
O entulho é, talvez, o mais heterogêneo dentre os resíduos industriais. Ele é constituído de restos de praticamente todos os materiais de construção (argamassa, areia, cerâmicas, concretos, madeira, metais, papéis, plásticos, pedras, tijolos, tintas, etc.) e sua composição química está vinculada à composição de cada um de seus constituintes.
No entanto, a maior fração de sua massa é formada por material não mineral (madeira, papel, plásticos, metais e matéria orgânica). Dois exemplos da análise qualitativa da sua fração mineral, para locais distintos, são apresentados a seguir:
Composição média da fração mineral do entulho (%)
MATERIAL
PINTO (1987) 1
ZORDAN e PAULON (1997) 2
Argamassa
64,4
37,6
Concreto
4,8
21,2
Material Cerâmico
29,4
23,4
Pedras
1,4
17,8
1 Local: cidade de São Carlos, SP, Brasil.
2 Local: cidade de Ribeirão Preto, SP, Brasil.

1.2 Classificação ambiental
Embora o entulho apresente em sua composição vários materiais que, isoladamente, são reconhecidos pela NBR 10.004/ set. 87: Resíduos Sólidos – Classificação, como resíduos inertes (rochas, tijolos, vidros, alguns plásticos, etc.), não está disponível até o momento, análises sobre a solubilidade do resíduo como um todo, de forma a garantir que não haja concentrações superiores às especificadas na norma referida acima, o que o enquadraria como "resíduo classe II – não inerte". Vale ainda lembrar, que a heterogeneidade do entulho e a dependência direta de suas características com a obra que lhe deu origem pode mudá-lo de faixa de classificação, ou seja, uma obra pode fornecer um entulho inerte e outra pode apresentar elementos que o tornem não-inerte ou até mesmo perigoso - como por exemplo, a presença de amianto que, no ar é altamente cancerígeno.

1.3 Apresentação do material
O entulho se apresenta na forma sólida, com características físicas variáveis, que dependem do seu processo gerador, podendo apresentar-se tanto em dimensões e geometrias já conhecidas dos materiais de construção (como a da areia e a da brita), como em formatos e dimensões irregulares: pedaços de madeira, argamassas, concretos, plástico, metais, etc.

2.Produção
2.1 Origem
Praticamente todas as atividades desenvolvidas no setor da construção civil são geradoras de entulho. No processo construtivo, o alto índice de perdas do setor é a principal causa do entulho gerado. Embora nem toda perda se transforme efetivamente em resíduo - uma parte fica na própria obra - os índices médios de perdas (em %) apresentados abaixo fornecem uma noção clara do quanto se desperdiça em materiais de construção - a quantidade de entulho gerado corresponde, em média, a 50% do material desperdiçado.
MATERIAIS
AGOPYAN et al. 1
PINTO 2
SOILBELMAN 2
SKOYLES 2
Areia
76
39
46
12
Cimento
95
33
84
12
Pedra
75
Cal
97
Concreto
9
1
13
6
Aço
10
26
19
4
Blocos e Tijolos
17
27
13
13
Argamassa
18
91
87
12
1 AGOPYAN et al (1998)
2 PINTO (1995)
Já nas obras de reformas a falta de uma cultura de reutilização e reciclagem são as principais causas do entulho gerado pelas demolições do processo.
Nas obras de demolição propriamente ditas, a quantidade de resíduo gerado não depende dos processos empregados ou da qualidade do setor, pois se trata do produto do processo, e essa origem, sempre existirá.

2.2 Localização
Grande parte dos produtores de entulho, principalmente o "construtor formiga", continuam jogando esse material ao longo de estradas e avenidas e em margens de rios e córregos. O surgimento dos caçambeiros contribuiu para que esse quadro fosse amenizado com a criação de locais pré-determinados – nem sempre apropriados – para o depósito do resíduo.
Algumas prefeituras (Belo Horizonte, Ribeirão Preto, etc.) estão implantando locais apropriados para receber o resíduo. São as "Usinas de Reciclagem de Entulho", constituídas basicamente por um espaço para deposição do resíduo, uma linha de separação (onde a fração não mineral é separada), um britador, que processa o resíduo na granulometria desejada e um local de armazenamento, onde o entulho já processado aguarda para ser utilizado.

2.3 Estatísticas
Estimativas da quantidade do entulho produzido no país e no exterior são apresentadas abaixo.
LOCAL GERADOR
GERAÇÃO ESTIMADA (t/mês)
São Paulo
372.000
Rio de Janeiro
27.000
Brasília
85.000
Belo Horizonte
102.000
Brasil 1
Porto Alegre
58.000
Salvador
44.000
Recife
18.000
Curitiba
74.000
Fortaleza
50.000
Florianópolis
33.000
Europa 2
16.000 a 25.000
Reino Unido 3
6.000
Japão 3
7.000
1 PINTO (1987)
2 PERA (1996)
3 CIB (1998)

3 Tecnologias para reciclagem
Reciclar o entulho - independente do uso que a ele for dado - representa vantagens econômicas, sociais e ambientais, tais como:
  • economia na aquisição de matéria-prima, devido a substituição de materiais convencionais, pelo entulho;
  • diminuição da poluição gerada pelo entulho e de suas conseqüências negativas como enchentes e assoreamento de rios e córregos, e
  • preservação das reservas naturais de matéria-prima.
A seguir são citadas algumas possibilidades de reciclagem para este resíduo e as vantagens específicas de cada uma.

3.1 Utilização em pavimentação.
A forma mais simples de reciclagem do entulho é a sua utilizado em pavimentação (base, sub-base ou revestimento primário) na forma de brita corrida ou ainda em misturas do resíduo com solo.

3.1.1 Vantagens
  • é forma de reciclagem que exige menor utilização de tecnologia o que implica menor custo do processo;
  • permite a utilização de todos os componentes minerais do entulho (tijolos, argamassas, materiais cerâmicos, areia, pedras, etc.), sem a necessidade de separação de nenhum deles;
  • economia de energia no processo de moagem do entulho (em relação à sua utilização em argamassas), uma vez que, usando-o no concreto, parte do material permanece em granulometrias graúdas;
  • possibilidade de utilização de uma maior parcela do entulho produzido, como o proveniente de demolições e de pequenas obras que não suportam o investimento em equipamentos de moagem/ trituração;
  • maior eficiência do resíduo quando adicionado aos solos saprolíticos em relação a mesma adição feita com brita. Enquanto a adição de 20% de entulho reciclado ao solo saprolítico gera um aumento de 100% do CBR, nas adições de brita natural o aumento do CBR só é perceptível com dosagens a partir de 40%;
3.1.2 Limitações
Não disponível.

3.1.3 Processo de produção
O entulho, que pode ser usado sozinho ou misturado ao solo, deve ser processado por equipamentos de britagem/ trituração até alcançar a granulometria desejada, e pode apresentar contaminação prévia por solo – desde que em proporção não superior a 50% em peso. O solo empregado na mistura com o entulho reciclado deve ser classificado de acordo com a Metodologia MCT, especificada pela Norma P01 da Prefeitura Municipal de São Paulo.
Pesquisas (BODI, 1997) avaliam os resultados de ensaios de dosagens da mistura entulho-solo e as variações da capacidade de suporte, da massa específica aparente máxima seca, da umidade ótima e da expansão.
O resíduo ou a mistura podem então ser utilizados como reforço de subleito, sub-base ou base de pavimentação, considerando-se as seguintes etapas: abertura e preparação da caixa (ou regularização mecânica da rua, para o uso como revestimento primário) corte e/ou escarificação e destorroamento do solo local (para misturas), umidecimento ou secagem da camada, homogeneização e compactação.

3.1.4 Grau de desenvolvimento
A eficiência desta prática já comprovada cientificamente, vem sendo confirmada pela utilização, na prática, por diversas administrações municipais como São Paulo, Belo Horizonte e Ribeirão Preto

3.1.5 Maiores informações
KELLY, K., WILLIAMS, P. Spinning waste into gold in construction. ENR -Engineering News - Record, v. 234, n. 16, p. E.32-E.34, E.37, 1995.
BODI, J. Experiência Brasileira com Entulho Reciclado na Pavimentação. In: Reciclagem na Construção Civil, Alternativa Econômica para Proteção Ambiental, 1997, São Paulo. Anais... São Paulo: PCC - USP, Departamento de Engenharia de Construção Civil, 1997. 76 p. p. 56-59.

3.2 Utilização como Agregado para o Concreto
O entulho processado pelas usinas de reciclagem pode ser utilizado como agregado para concreto não estrutural, a partir da substituição dos agregados convencionais (areia e brita).

3.2.1 Vantagens
  • utilização de todos os componentes minerais do entulho (tijolos, argamassas, materiais cerâmicos, areia, pedras, etc.), sem a necessidade de separação de nenhum deles;
  • economia de energia no processo de moagem do entulho (em relação à sua utilização em argamassas), uma vez que, usando-o no concreto, parte do material permanece em granulometrias graúdas;
  • possibilidade de utilização de uma maior parcela do entulho produzido, como o proveniente de demolições e de pequenas obras que não suportam o investimento em equipamentos de moagem/ trituração;
  • possibilidade de melhorias no desempenho do concreto em relação aos agregados convencionais, quando se utiliza baixo consumo de cimento;
3.2.2 Limitações
A presença de faces polidas em materiais cerâmicos (pisos, azulejos, etc.) interferem negativamente na resistência à compressão do concreto produzido.

3.2.3 Processo de produção
O entulho processado pelas Usinas de Reciclagem (onde sua fração mineral é britada em britadores de impacto) é utilizado como agregado no concreto, em substituição simultânea à areia e à brita convencionalmente utilizadas. A mistura é a tradicional, com cimento e água, esta em quantidade bastante superior devido à grande absorção do entulho.
Equipamentos para britagem:
Maqbrit Comércio e Ind. de Máquinas Ltda.
Tel. (011) 424-4330 / 424-3440
Usina de Reciclagem de Belo Horizonte
Tel. (031) 378-2180
Usina de Reciclagem de Ribeirão Preto
Tel. (016) 638-0880

3.2.4 Grau de desenvolvimento
Embora pesquisas tenham demonstrado eficácia do processo, vários fatores como os relacionados à durabilidade do concreto produzido ainda precisam ser analisados. As prefeituras de São Paulo e a de Ribeirão Preto já utilizam blocos de concreto feitos com entulho reciclado.

3.2.5 Maiores informações
HANSEN, T.C. RILEM Report No 6, E&FN Spon, 1992.
RILEM TC 121 - DRG. Specification for concrete with recicled aggregates. Materials and Structures, v. 27, p. 557-559, 1994.
ZORDAN, S. E., PAULON, V. A. A Utilização do Entulho como Agregado na Confecção do Concreto. Campinas: Departamento de Saneamento e Meio Ambiente da Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas. Dissertação (Mestrado), 1997.
CONCRETE. Concrete re-cycled. Crushed concrete as aggregate. London, v. 27, n. 3, p. 9-13, may/ jun. 1993.
CONSTRUÇÃO Para não virar pó. São Paulo: Pini, n. 2348, p. 10, fev. 1993.

3.3 Utilização como agregado para a confecção de argamassas
Após ser processado por equipamentos denominados "argamasseiras", que moem o entulho, na própria obra, em granulometrias semelhantes as da areia, ele pode ser utilizado como agregado para argamassas de assentamento e revestimento.

3.3.1 Vantagens
  • utilizado do resíduo no local gerador, o que elimina custos com transporte;
  • efeito pozolânico apresentado pelo entulho moído;
  • redução no consumo do cimento e da cal, e
  • ganho na resistência a compressão das argamassas.

3.3.2 Limitações
As argamassas de revestimento obtidas apresentam problemas de fissuração, possivelmente pela excessiva quantidade de finos presente no entulho moído pelas argamasseiras.

3.3.3 Processo de produção
A partir da mistura de cimento, areia e água, a fração mineral do entulho é adicionada a uma caçamba de piso horizontal, onde dois rolos moedores girando em torno de um eixo central vertical, proporciona a moagem e homogeneização da mistura que sai do equipamento pronta para ser usada.
Informações sobre o equipamento de moagem:
ANVI Comércio e Indústria Ltda.
Tel. (011) 289-7109 289-4260.

3.3.4 Grau de desenvolvimento
Esta reciclagem vem sendo utilizada, com freqüência, por algumas construtoras do país e pesquisas estão em andamento para tentar solucionar as limitações desta técnica.

3.3.5 Maiores informações 
LEVY, S. M., HELENE, P. R. L. Reciclagem do entulho de construção civil, para utilização como agregado de argamassas e concretos. São Paulo: Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Dissertação de mestrado. 1997 146 p.
HAMASSAKI, L. T, SBRIGHI NETO, C., FLORINDO, M. Uso do entulho como agregado para argamassas de alvenaria. In: Seminário sobre reciclagem e reutilização de resíduos como materiais de construção, 1996, São Paulo. Anais... São Paulo: PCC - USP, Departamento de Engenharia de Construção Civil, 1996. 161 p. p. 109-117.
WILD, S. et al. The Potential of Fired Brick Clay as a partial Cement Replacement material. In: Concrete in the Service of Man Kind – International Conference for Environment Enhancement and Protection, Dundee – Escócia, junho, 1996. Proceedings. Ravindra & Thomas Grã Bretanha – 1996 p.685-696.

3.4 Outros usos
  • Utilização de concreto reciclado como agregado;
  • Cascalhamento de estradas;
  • Preenchimento de vazios em construções;
  • Preenchimento de valas de instalações;
  • Reforço de aterros (taludes).
4 Comentários gerais
O processo de implantação de programas de qualidade pelo qual passa a indústria da construção, certamente contribuirá para a redução do volume de resíduos gerados por esse setor. No entanto, a quantidade de entulho produzida não diminuirá de uma hora para outra.
Além disso, por mais eficaz que sejam as mudanças introduzidas nos processos construtivos, com o objetivo de reduzir os custos e a quantidade de resíduos gerados, sempre haverá um montante inevitavelmente produzido, que somado aos resíduos de demolição, ainda representará um volume expressivo.
Dessa forma, o estudo de soluções práticas que apontem para a reutilização do entulho na própria construção civil, contribui para amenizar o problema urbano dos depósitos clandestinos deste material - proporcionando melhorias do ponto de vista ambiental - e introduz no mercado um novo material com grande potencialidade de uso.

5 Bibliografia
AGOPYAN, V. et al. Alternativas para a redução do desperdício de materiais nos canteiros de obras. São Paulo, 1998 (Relatório final: vol. 1 ao 5).
BODI, J. Experiência Brasileira com Entulho Reciclado na Pavimentação. In: Reciclagem na Construção Civil, Alternativa Econômica para Proteção Ambiental, 1997, São Paulo. Anais... São Paulo: PCC - USP, Departamento de Engenharia de Construção Civil, 1997. 76 p. p. 56-59.
CONCRETE. Concrete re-cycled. Crushed concrete as aggregate. London, v. 27, n. 3, p. 9-13, may/ jun. 1993.
CONSTRUÇÃO Para não virar pó. São Paulo: Pini, n. 2348, p. 10, fev. 1993.
HAMASSAKI, L. T, SBRIGHI NETO, C., FLORINDO, M. Uso do entulho como agregado para argamassas de alvenaria. In: Seminário sobre reciclagem e reutilização de resíduos como materiais de construção, 1996, São Paulo. Anais... São Paulo: PCC - USP, Departamento de Engenharia de Construção Civil, 1996. 161 p. p. 109-117.
HANSEN, T.C. RILEM Report No 6, E&FN Spon, 1992.
LEVY, S. M., HELENE, P. R. L. Reciclagem do entulho de construção civil, para utilização como agregado de argamassas e concretos. São Paulo: Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Dissertação de mestrado. 1997 146 p.
PINTO, T. P. Perda de materiais em processos construtivos tradicionais. São Carlos: Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de São Carlos (Texto datilografado), 1989. 33 p.
RILEM TC 121 - DRG. Specification for concrete with recicled aggregates. Materials and Structures, v. 27, p. 557-559, 1994.
SOIBELMAN, L. As perdas de materiais na construção de edificações: sua incidência e seu controle. Porto Alegre: Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Dissertação (Mestrado), 1993. 127 p.
WILD, S. et al. The Potential of Fired Brick Clay as a partial Cement Replacement material. In: Concrete in the Service of Man Kind – International Conference for Environment Enhancement and Protection, Dundee – Escócia, junho, 1996. Proceedings. Ravindra & Thomas Grã Bretanha – 1996 p.685-696.
ZORDAN, S. E. A Utilização do Entulho como Agregado na Confecção do Concreto. Campinas: Departamento de Saneamento e Meio Ambiente da Faculdade de Engenharia Civil, Universidade Estadual de Campinas. Dissertação (Mestrado), 1997.
6 Links Relacionados
United States Environmental Protection Agency
http://www.epa.gov/epaoswer/hazwaste/sqg/c&d-rpt.pdf
Global Recycling Network
http://www.grn.com/
Center of Excellence for Sustainable Development
http://www.sustainable.doe.gov/search.htm
California Integrated Waste Management Board
www.ciwmb.ca.gov/MRT/CNSTDEMO/default.htm


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