MAIS UMA NR
Edição 26/03/2011
Representantes
do Ministério do Trabalho e da CNI analisam a publicação de uma nova
NR-36 – TRABALHO EM ALTURA, argumentando da insuficiência da NR-18 para regulamentar a situação de quedas de altura observadas em outras atividades.
Obs.: veja a publicação do artigo NR-35 EM DISCUSSÃO, no qual menciona-se que um Consultor da ABNT considera um absurdo a discussão pela Comissão Tripartite da nova NR-35.
Estatísticas da Previdência Social indicam que houve um aumento em 27% dos acidentes na construção civil (NR-18) desde 2006.
Todas
as estatísticas apontam que mais da metade dos acidentes fatais (queda
em altura) é oriunda da construção civil e assim, a expectativa de
cumprimento e fiscalização de NRs, especialmente a NR-18, não está
conseguindo conter a expansão desses acidentes. Além disso, 40% das
fatalidades em acidentes ocorrem no trabalho em altura.
AS FALHAS DA NR-18 (PCMAT)
Antes
de partirmos para analisar a viabilidade de uma NR para o trabalho em
altura, analisemos a situação da construção civil (NR-18).
Estudos
técnicos incluindo listas de verificação em cerca de 93 empresas em
diferentes cidades, mesmo entre aquelas de melhor nível gerencial e
tecnológico, demonstraram que a NR-18 ainda é muito pouco cumprida nos
canteiros de obras, apresentando um índice médio de cumprimento entre 51
e 55%. Alega-se que uma das prováveis causas para o não cumprimento da
NR-18 é o “caráter muito prescritivo de algumas exigências, que facilita a não conformidade e dificulta a adoção de soluções alternativas”.
Uma avaliação recente sobre o PCMAT afirma que “ainda
hoje muitas empresas não conseguiram se adequar às exigências da
legislação, tornando o setor da construção civil responsável por grande
parte dos acidentes de trabalho”.
Em
outra investigação sobre PCMAT com 14 grandes e médias obras de
construção civil, apenas quatro (28,6%) dizem elaborar e seguir as
recomendações do PCMAT. Neste Estudo, as empresas afirmavam que tinham
um bom conhecimento sobre a NR-18, mas não implantavam o PCMAT.
PROBLEMAS ADICIONAIS
O
Estudo adianta, também que um fator adicional para o não cumprimento da
norma é a falta de uma maior orientação e informação dos profissionais
(gerentes, mestres, operários) não somente quanto ao conteúdo da NR-18,
mas também quanto aos riscos e importância da prevenção de acidentes e
doenças do trabalho.
Ainda segundo o Estudo, tal situação pode estar ligada à atuação deficitária dos órgãos governamentais responsáveis, dos sindicatos e mesmo a falta de interesse dos profissionais em buscar estas informações.
A FISCALIZAÇÃO FEDERAL
Nesses
Estudos, houve unanimidade na afirmação dos trabalhadores e técnicos
das obras estudadas de que a ação fiscalizadora tem papel determinante
na atenção dispensada à segurança e higiene nos canteiros, ou seja, quanto mais freqüente a fiscalização, mais medidas de melhoria são tomadas.
Observou-se
ainda que se existem deficiências no cumprimento da NR-18 em obras de
construção civil da capital, a situação piora em cidades do interior. O
problema relaciona-se à baixa estrutura de fiscalização do Ministério do
Trabalho, às vezes inexistente em muitas cidades.
Um
outro aspecto a se considerar é que em pesquisa realizada com dados
obtidos de CAT em atividades de construção e reparo de edificações em
canteiros de obras, verificou-se que 44,3% da incidência de acidentes de
trabalho, principalmente os acidentes por queda de altura, ocorre na
categoria profissional de servente, ou seja, são trabalhadores
desqualificados e em grande parte à margem dos programas de treinamento,
e que “rodam” por toda a obra.
Pesquisadores justificaram as principais falhas do PCMAT:
a)
sua implementação é considerada como uma atividade extra a gerentes, já
que não é integrada a atividades de gerenciamento da produção. A NR- 18
não requer sua integração a outros planos, com exceção do planejamento
do canteiro;
b)
é normalmente elaborado por peritos externos que não trabalham em uma
base permanente para a empresa, não envolvendo os gerentes de produção,
subcontratantes ou trabalhadores;
c)
normalmente não é um plano exaustivamente detalhado. É produzido no
começo da fase de execução não sendo atualizado conforme a necessidade
da produção;
d) raramente é feito o controle formal de implementação de PCMAT;
e)
enfatiza proteções físicas, negligenciando as ações gerenciais
necessárias para alcançar um ambiente de trabalho seguro; e
f) não induz eliminação de risco por medidas preventivas à fase de projeto.
E
para completar este quadro preocupante, os estudos mencionam que
infelizmente a finalidade principal do PCMAT continua sendo atender à
legislação nas fiscalizações esporádicas, e não correspondendo à
realidade das obras.
Um
outro motivo para o aumento dos acidentes com queda na construção
civil, já estudado por especialistas, são as inovações tecnológicas e o
descompasso com trabalhadores desqualificados, que ainda não sabem lidar
de forma adequada com essas inovações.
Constatou-se
que algumas das evoluções tecnológicas atenuaram os riscos em alguns
processos, mas em outros casos podem também ser responsáveis por parte
dos acidentes gerados nos canteiros de obras. Ou seja, inovação sem
treinamento é investir em acidente.
Outros
fatores estão relacionados à competitividade do mercado e a necessidade
de aumento da produtividade e de redução de custos através do
cumprimento dos cronogramas previstos. Para atender a essas exigências,
as empresas utilizam-se “da contratação de subempreiteiras, do recurso às horas-extras, do trabalho noturno e do pagamento por produção”.
Outras
causas relacionam-se à grande quantidade de trabalhadores em uma área
restrita e à co-produtividade de diferentes profissionais, sobrepondo os
riscos em um mesmo local. Além disso, observa-se que as duplas jornadas
de trabalho dos operários contribuem também para diminuir a atenção e
os reflexos.
Mesmo
diante desse quadro, cogita-se uma nova NR para o trabalho em altura
direcionada para outros setores onde se observam altos índices de queda.
Em
edição recente da Revista Proteção (www.protecao.com.br), foi publicada
uma reportagem sobre a justificativa para uma nova NR-36 Trabalho em
Altura, com uma declaração de representante do Ministério do Trabalho
argumentando que a NR-18 não dá conta do problema nos outros setores:
“A
regulamentação tratada de forma geral é fundamental, porque o risco de
queda existe em vários ramos de atividades, como em serviços de
manutenção e limpeza de fachadas e predial em geral; instalação de
torres de telefonia, energia, antenas de TV a cabo, para-raios e
outdoors; operação de gruas e guindaste; montagem de estruturas
diversas; carga e descarga em caminhões e trens; depósito de materiais e
silos; lavagem e pintura de ônibus, entre outros. Portanto, devemos
intervir nessas situações de grave e iminente risco, regularizando o
processo de forma geral e tornando essas tarefas mais seguras para o
trabalhador“, defendeu o engenheiro Gianfranco Pampalon, auditor fiscal do trabalho.
A iniciativa recebeu aparentemente amplo e unânime apoio:
“Empresários,
governo e trabalhadores entenderam que essa é uma contribuição
importante a ser dada. Na visão dos empregadores em particular, a
iniciativa é positiva porque acabará com a insegurança jurídica
enfrentada hoje pelo fato de não haver uma norma que abranja todos os
segmentos. Portanto, vemos com muito bons olhos a ação”, afirmou Clovis
Veloso de Queiroz Neto, coordenador de segurança e saúde no trabalho da
CNI (Confederação Nacional da Indústria), informando que a medida teve o
aval de todas as classes representadas na comissão e que o intuito
agora é agilizar as discussões”.
FATOS CONTRA ARGUMENTOS
Mas
os fatos contestam a unanimidade. Ou seja, mais normas, mais leis, mais
regulamentos, não tem tido o poder de reverter os acidentes com queda,
seja na construção civil, seja em outros setores, como prova o índice de
aumento de 27% desde 2006, mesmo com as constantes mudanças
recepcionadas pela NR-18, adicionando-se as RTP.
Em amplos setores já há um consenso de que a legislação em vigor não é cumprida em grande parte por falta de fiscalização do Ministério e
não por falta de NRs. Além disso, um grande número de acidentes com
queda ocorre no trabalho informal, significando que mais leis não vão
dar cobertura a esse tipo de trabalhador. Ou seja, as estatísticas não
refletem a realidade total e porisso o quadro deve ser bem pior.
SUPERPOSIÇÕES E REDUNDÂNCIAS
Um
outro fato a destacar é que a maioria das atividades elencadas como
justificativa para mais uma NR para trabalho em altura é exercida em sua
grande maioria por empresas da própria área de construção civil.
Veja-se a definição da NR-18 sobre obra de construção civil e o que registra o Quadro I da NR-4 (CNAE).
18.1.2
Consideram-se atividades da Indústria da Construção as constantes do
Quadro I, Código da Atividade Específica, da NR 4 - Serviços
Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho e as
atividades e serviços de demolição, reparo, pintura, limpeza e
manutenção de edifícios em geral, de qualquer número de pavimentos ou
tipo de construção, inclusive manutenção de obras de urbanização e
paisagismo.
Se verificarmos a relação de atividades na NR-4 mencionadas
pela NR-18 referente a CONSTRUÇÃO no CNAE, observa-se ali a maioria das
atividades mencionadas como justificativa para mais uma NR (serviços
de manutenção e limpeza de fachadas e predial em geral; instalação de
torres de telefonia, energia, antenas de TV a cabo, para-raios e
outdoors; operação de gruas e guindaste; montagem de estruturas
diversas). Ou seja, a NR-36 será um subclone da NR-18 e provavelmente repetindo as mesmas instruções da NR-18.
ALTERNATIVAS A MAIS UMA NR
Mas
a situação não comporta apenas críticas. Uma alternativa válida seria a
abertura de capítulos específicos dentro da própria NR-18 para as
atividades apontadas como justificativas para mais uma NR, bem como
ampliar-se o espectro de regulamentos nas NRs 8 (Edificações) 11
(Transporte) e NR-17 (Ergonomia). Vimos que se a recente alteração da NR-18 no Anexo relacionado a andaimes for fiscalizada e cumprida, sem dúvida que virão resultados positivos.
agente de saúde no combate a dengue
AGENTES DE SAÚDE DO TRABALHO
Uma
outra alternativa seria utilizar-se uma brecha legal da própria
legislação do trabalho (CLT), ou seja, neste caso a delegação a Estados
ou Municípios sob um convênio, de algumas ações de fiscalização.
Para
isso, sugere-se a criação de Agentes de Saúde do Trabalho, que não
teriam os poderes dos Auditores Fiscais (autuação, embargo e
interdição), mas, assim como os Agentes de Saúde em Saúde Pública,
poderiam exercer a orientação, notificação e comunicação de
irregularidades ao Ministério do Trabalho ou ao próprio Ministério
Público do Trabalho para disparo de uma ação repressiva contra graves
riscos. Essas ações poderiam ser coordenadas pelo próprio Ministério do
Trabalho através dos convênios com os Estados ou Municípios. Ou seja,
uma efetiva ação de Vigilância em Saúde dos Trabalhadores.
A
presença de Agentes Estaduais ou Municipais de Saúde do Trabalho, que
deveria ser cargo público estadual ou municipal privativo de Engenheiros
de Segurança, Médicos do Trabalho e Técnicos de Segurança, nas
empresas, poderia resultar em um efeito dissuasivo sobre a inação das
empresas em relação a muitas irregularidades, principalmente em cidades
no interior, onde não existe fiscalização do Ministério, ou se existe é
esporádica e insuficiente.
Essa
categoria de servidores públicos com as atribuições exclusivas de
Vigilância, não entraria em conflito com a Auditoria Fiscal, que é
atividade consignada em comando constitucional e exclusiva do Ministério
do Trabalho.
Além
disso, absorveria um grande contingente desses profissionais que estão
no mercado de forma ociosa, graduados justamente por setores do Estado e
da área privada (SESI, SESC, SENAI, Escolas Técnicas e Universidades).
As
situações de grave e iminente risco seriam comunicadas pelo órgão
coordenador desses Agentes de Saúde do Trabalho à Justiça local, onde
não houver Ministério do Trabalho.
Aliás,
é bom ressaltar que Promotores do Ministério Público do Trabalho estão
preenchendo esta lacuna e exercendo as mesmas prerrogativas dos
Auditores Fiscais em algumas cidades e com muito mais poderes, pois
podem instaurar inquéritos.
Ou
seja, “engordar a NR-18” ou criar mais um subclone da NR-18 (NR-36),
sem fiscalização, representará apenas a manutenção dos mesmos problemas e
mais sobrecarga para uma fiscalização inoperante em grande parte do
país.
Para
aumentar as conformidades de cumprimento da NR-18, e de todas as NRs,
os analistas em segurança sugerem justamente o aumento da “freqüência,
abrangência e atuação educativa, por parte da fiscalização do Ministério do Trabalho”.
E sugerem também “a promoção, tanto da parte dos órgãos públicos,
quanto da parte de sindicatos de empresas e trabalhadores, de um maior
contato destes com a questão da segurança, visto que neste dois grupos o
grau de desconhecimento ainda é muito alto”.
Não
resta dúvida que o Ministério do Trabalho, diante dos números de
acidentes na construção civil, não está tendo estrutura suficiente para
dar conta de fiscalizar as múltiplas atividades em expansão de um país
que já é a 7ª. Economia mundial, principalmente as atividades regidas
pela NR-18.
Os
concurso públicos para Auditores Fiscais muitas vezes preenchem vagas
apenas das capitais e muitos candidatos que são aprovados para trabalhar
no interior, acabam arrumando uma brecha ou apoio político para voltar
para a capital.
Consequentemente,
a lógica em curso é: se não podemos aumentar a fiscalização, vamos
aumentar as NRs. E se não se cumpre as NRs, fazer o que?.
O
efeito agregador do anúncio para uma nova NR é resultado de um certo
alívio experimentado por todos os envolvidos com os acidentes na
construção civil. A idéia da nova NR desloca o problema dos acidentes
para outros setores. Com a solução adiada, todos ficam felizes e com
esperança, porque se até agora não se resolveu a questão das quedas com a
NR-18, vamos esperar pela NR-36 e ver o que acontece em outros setores.
Para
o Governo, é fácil editar leis, e assim comandar o “efeito manada”
tripartite - todos concordam com mais novas regras, levando à suposição
de que um novo porvir mais seguro virá com a NR- 36. E caso a situação
não mude, esperemos pela NR-46, ou a NR-56, etc.
A
multiplicação de leis que não são cumpridas ao lado da fiscalização
deficiente, contribui para a escalada da impunidade e das estatísticas
de falhas do PCMAT e de acidentes na construção civil.
A
questão crítica que se coloca nesse contexto é: se não estamos
conseguindo pelo menos estabilizar o número de acidentes por quedas na
construção civil, como vamos reverter as estatísticas de quedas em
outros setores simplesmente com mais uma nova NR?
As
evidências permitem supor que a idéia de uma nova NR para o problema do
trabalho em altura parece ser mais uma formalidade para desviar a
atenção dos acidentes em expansão na construção civil bem como para
dissimular as falhas estruturais do Ministério do Trabalho na
fiscalização de todas as NRs.
Texto: Prof. Samuel Gueiros, Med Trab, Coord NRFACIL
Auditor Fiscal (1984-2007) aposent voluntária
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